Brasil caminha para ter a energia mais cara do planeta

Erros na política energética, altos impostos e estiagens recorrentes oneram tarifas no Brasil, tirando a competitividade da indústria e dificultando a retomada do crescimento

Emerson Nogueira, diretor da OKE do Brasil. Empresa produz componentes de bancos automotivos e tenta otimizar processos para não sentir a conta da Copel

Há uma luz no fim do túnel, mas bem mais cara do que a que pagamos hoje. Uma sucessão de erros na política energética do Brasil nas últimas décadas e a sanha arrecadatória do governo federal e dos governos estaduais resultaram em uma das tarifas de energia mais caras do mundo, com tendência de agravamento para os próximos anos. Não é só o bolso do consumidor que sente: com o insumo tão caro, a produtividade e a competitividade das indústrias caem, afetando a retomada do crescimento que o país tanto persegue.

O cenário é preocupante porque o valor das indenizações que precisam ser pagas às concessionárias de transmissão que aderiram à Medida Provisória n.º 579 de 2012 já vão onerar as tarifas entre 5% e 7% até 2025. O valor pago pelos consumidores é para ressarcir investimentos feitos por empresas que aderiram à renovação antecipada de contratos, em um programa polêmico para reduzir as tarifas lançado pela ex-presidente Dilma Rousseff.

Além disso, o uso constante de usinas térmicas pela estiagem recorrente dos últimos anos pressiona por novos aumentos. O estudo mais recente da Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) sobre o custo de energia, de 2017, apontava que a energia do Brasil era a quinta mais cara do mundo. Se não forem feitas grandes alterações no setor, ela se tornará a mais cara, apontam fontes ouvidas pela reportagem.

De 13 reajustes a concessionárias concedidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2018, o percentual médio ficou em 15,22%, bem acima da inflação dos últimos meses. A inflação oficial (IPCA) do período entre julho de 2017 e maio de 2018 ficou em 2,68%. O maior impacto foi sentido pelos consumidores da Cemig, de Minas Gerais, com um efeito médio de 23,19% nos seus 8,3 milhões de unidades atendidas. Esse percentual, na verdade, corresponde à revisão periódica da companhia, realizada a cada cinco anos. Em março, durante discussão sobre a tarifa da Cemig, o próprio diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, admitiu que o valor das tarifas tem assumido um “patamar preocupante”.

Copel não é tão culpada assim pelos reajustes
Na Copel, que atende cerca de 4,5 milhões de unidades, o reajuste anual que está em vigor desde o último dia 24 teve um impacto médio de 15,99%, um pouco acima da média. A Light, no Rio de Janeiro, com 3,9 milhões de consumidores, teve reajuste médio de 10,36% em 2018; a Celpe, de Pernambuco, com 3,7 milhões de clientes, 8,89%; e a Enel, do Ceará, com 3,4 milhões de unidades, aumento médio de 4,96% na tarifa.

Entretanto, a Copel é a “menos culpada” pela alta recente da tarifa, ressalta João Arthur Mohr, gerente dos Conselhos Temáticos e Setoriais da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep). Do percentual médio de 15,99%, apenas 0,31% correspondem aos custos diretamente gerenciáveis pela companhia, que compõem a chamada “parcela B”. Na “parcela A” entram o custo de aquisição de energia, o custo com transporte de energia e encargos setoriais, com contribuição de 7,49%. O peso maior, porém, vem dos “componentes financeiros”: 8,19%, que englobam a variação cambial da energia de Itaipu e subsídios sociais.

“A situação está ruim e vai piorar, com um aumento de até 7% na energia, para pagar a indenização, independentemente de inflação. Se a inflação for de 3%, vamos pagar quase 10% de aumento na energia, tirando a competitividade da indústria e afetando o poder aquisitivo de todo o mundo”, afirma Mohr. Ele lembra que a primeira parcela da indenização foi cobrada em 2017, mas, como os custos da energia caíram, o baque foi pequeno. “Na verdade, era para ter redução de 2%, mas com os 7%, pagamos 5% de aumento. Como a inflação foi de 4%, estava próximo, pouca gente se importou”, destaca.

O fato é que o consumidor terá de pagar pelos erros da política energética implantada por Dilma, não há escapatória. Mas há também problemas mais antigos e outros recentes, praticados na gestão de Michel Temer. Um deles é o pagamento de outorgas em leilões de energia para definir o vencedor de uma licitação. Mohr critica a destinação do dinheiro arrecadado: o caixa único da União. “O governo federal fica feliz da vida quando há um leilão e consegue R$ 6 bilhões ou R$ 7 bilhões. Mas esse valor depois é cobrado do consumidor. Cada um de nós paga isso na tarifa, vai estar embutido no preço”, diz. No caso da Copel, isso representou 3,5% do reajuste. O setor produtivo do Brasil reivindica mudanças: quer que o valor da outorga seja direcionado à redução dos custos. No Congresso, conseguiram um projeto de lei que garante apenas 33% do que arrecadado em leilões; outros 33% seriam destinados à Eletrobras, para saneamento do caixa, e o restante para o Tesouro. “Estamos pagando pela ineficiência da Eletrobras e pela ineficiência do governo”, dispara Mohr.

Outro pedido das entidades reunidas sob o guarda-chuva da Confederação Nacional da Indústria (CNI) é a retirada de subsídios sociais da conta da luz, que mantém programas como Luz para Todos, irrigação rural e as tarifas para famílias de baixa renda. No caso da Copel, por exemplo, os subsídios representaram 3,46% do reajuste. “Não somos contra, mas a cobrança está no lugar errado, na conta de luz, que deixa todos os produtos mais caros. Se tirar essa parcela, os produtos ficam mais baratos, as indústrias fabricam mais, há mais emprego e renda, e com a arrecadação de mais Imposto de Renda, o governo consegue dar os subsídios necessários”, diz o gerente da Fiep.

Redução de impostos sobre energia é urgente
Seguindo esse mesmo raciocínio, a indústria brasileira pede a diminuição de tributos incidentes sobre a energia elétrica. “O ideal seria que o Brasil fizesse como o Paraguai, que não está cobrando impostos, só o custo da geração, transmissão e distribuição, com redução de 50% no valor. O produto fica barato, gera emprego e impostos. Esses impostos gerados é que são usados para benefícios sociais. Provoca um círculo virtuoso na economia”, opina Mohr. As entidades sugerem uma redução gradual ano a ano dos impostos.

Os governadores também têm um papel crucial para o barateamento da energia elétrica. “Cada estado pratica uma alíquota, tem liberdade para atuar. Atualmente o Rio de Janeiro cobra 32% de alíquota de ICMS na faixa de consumo médio da indústria, em uma conta complexa. É um peso altíssimo. Minas Gerais, por exemplo, aplica 18%”, diz a especialista de Estudos Econômicos do Sistema Firjan, Tatiana Lauria.

No Paraná, a alíquota de ICMS sobre a energia é de 29%, uma das mais altas do Brasil. A Fiep reivindica uma mudança nesse porcentual, com o argumento de que o caixa estadual não perderá arrecadação. “Digamos que a energia custasse R$ 100, e desses, R$ 29 iam para o governo. Com o aumento médio de 16% na tarifa, o governo passa a arrecadar R$ 33,60. Então, se reduzir a alíquota para 25%, vai manter a mesma arrecadação que tinha, e ajuda o setor produtivo”, diz Mohr.

Chuvas
As usinas hidrelétricas (UHEs), fontes limpas e renováveis de energia, representam cerca de 70% da oferta de eletricidade no Brasil. Mas, atualmente, os 220 empreendimentos em operação respondem por 60,36% da geração, conforme o Banco de Informações da Aneel. Os períodos de estiagem, que foram mais críticos em 2014 e 2015, mas que também estão se repetindo agora em 2018, prejudicam o sistema, que precisa ser abastecido por usinas térmicas (UTEs), as quais ofertam energia ainda mais cara – e poluente, na maioria dos casos. Há cerca de 3 mil UTEs em operação atualmente, com participação de 26% na matriz elétrica.

Agora em junho de 2018, a bandeira tarifária do mês é vermelha, no patamar 2, justamente a mais cara, por conta do fim do período úmido no Sul do Brasil, o que eleva o risco hidrológico (GSF) e o preço da energia no mercado de curto prazo. Isso significa acréscimo de R$ 5 a cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumido. A sistemática das bandeiras tarifárias foi implantada a partir de 2015, com o objetivo de melhorar a transparência e conscientizar o consumidor sobre a importância da redução do consumo. A bandeira vermelha vigorou ininterruptamente de janeiro de 2015 a fevereiro de 2016; depois, em alguns meses esparsos de 2017, retornando agora, em junho.

O consumidor, na verdade, é duplamente penalizado pelo GSF: além de pagar a bandeira nos meses mais críticos de estiagem, a cada revisão anual de tarifas é onerado pelo maior custo da aquisição da energia. Também fruto da MP 579/12 de Dilma Rousseff, as usinas que renovaram as concessões passaram a ser responsáveis apenas pela manutenção das hidrelétricas; o risco hidrológico passou para o consumidor. Na época, o governo federal estimava reduzir as tarifas, mas sem controle sobre o volume de chuvas, o tiro saiu pela culatra, pela necessidade de se adquirir energia de outras fontes. Esse aumento de custos aparece na “parcela A” da tarifa.

O especialista em energia Ivo Pugnaloni, presidente do grupo Enercons, lamenta também a falta de planejamento de longo prazo no setor energético. Ele destaca a morosidade com que foram tratados os projetos das Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) dentro da Aneel. “Nos últimos anos, cerca de 7 mil megawatts (MW) de projetos de PCHs foram disponibilizadas para construção. Estavam travadas por procedimentos inadequados, irregulares, detectados pelo TCU [Tribunal de Contas da União] em acórdão. A superintendência que era responsável por essa atividade e esse atraso foi extinta, e aí as coisas começaram a fluir de forma adequada”, observa.

Com mais usinas hidrelétricas, mesmo pequenas, não seria necessário o ligamento de tantas térmicas. Hoje, as PCHs respondem por apenas 3,17% da energia. Entre as energias renováveis, a eólica tem ganhado destaque, com 8% de participação. Outra “barreira” para as PCHs, diz Pugnaloni, é o interesse dos governos em arrecadar mais tributos. “A usina hidrelétrica funciona com água. Não é importada. Não paga ICMS para governos estaduais. O custo médio de geração de uma termelétrica é seis vezes mais do que a de uma PCH, mas há outros interesses”, afirma.

Custo Brasil e a energia elétrica
Os derivados de petróleo servem de insumo para cerca de 30% da energia gerada pelas usinas termelétricas, segundo dados da Aneel. Essa opção se reflete no aumento de custos para a indústria, sintetiza Pugnaloni. “Falta competitividade aos nossos produtos. Aí a culpa é colocada nos funcionários públicos, que são preguiçosos, é colocada no meio ambiente, nos órgãos do meio ambiente, defensores do meio ambiente e não é colocado no combustível que está sendo usado para geração de energia, que é o combustível fóssil”, critica.

Para o diretor da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha (AHK-PR), Andreas Hoffrichter, as deficiências na infraestrutura energética se somam a outros problemas estruturais que elevam o chamado “custo Brasil” e afastam o interesse de investidores estrangeiros. Além do alto custo do insumo, a oferta não é regular, aponta. “Os leilões de energia não são muito comuns. Uma vez que a oferta é pequena, os preços ficam muito altos. Na Alemanha, a energia custa um terço do que pagamos aqui. E temos grande ineficiência energética no Brasil. Grande porcentagem de perdas, em qualquer das fases, na geração, na distribuição e no consumo”, lamenta. Segundo ele, o país poderia tirar vantagem da sua matriz elétrica, da qual quase 70% é de fontes renováveis: hidrelétricas, eólicas, solar, cana-de-açúcar e outras fontes vegetais. “Mas quase tudo é hídrico, e metade das usinas são a fio d’água, não têm oportunidade de armazenar e por isso dependemos muito da temporada de chuvas. Como não dá para contar com isso, precisamos das termelétricas.

Hoffrichter também destaca a disparidade entre alíquotas de ICMS nos estados: “O Paraná é um dos estados que tem alíquota mais alta, e alguns cobram apenas 11%. Dependendo da região há energia mais cara ou barata, um fator crucial de competitividade”. A carga tributária total, em torno de 35% do consumo, é outro componente do custo Brasil, aponta, com efeitos diretos e indiretos. “Temos que não só arcar com o valor, mas também administrar. Na Alemanha, uma empresa gasta em torno de 260 horas de trabalho para cuidar dos impostos. No Brasil precisamos de no mínimo 2.660 horas, dez vezes mais”, compara.

Mudanças importantes no setor energético estão contempladas no novo marco regulatório do setor, em trâmite no Congresso Federal. Mohr, da Fiep, diz que o projeto já poderia ter sido votado, mas os parlamentares têm receio das consequências eleitorais. “O texto prevê fim de subsídios na conta de luz, para que sejam contemplados em outras frentes, mas os adversários políticos acabam se aproveitando e por isso há pouco interesse em votar. Tatiana, da Firjan, pondera que, com mais tempo, a sociedade pode se informar melhor sobre o tema: “Pode haver mais debates, para que as soluções propostas fiquem mais transparentes e todos entendam a necessidade de mudanças. Mas é preciso a aprovação, para que se inicie uma nova fase no setor e tenhamos melhoria no longo prazo, porque no curto prazo não há muito o que fazer”.

REIVINDICAÇÕES

O que o setor produtivo pede

  • Votação do novo marco regulatório da energia no Congresso;
  • Diminuição dos impostos incidentes, para incentivar a produção e consumo e, com isso, aumentar a arrecadação;
  • Retirada de subsídios da conta de luz, também com a intenção de impulsionar a atividade econômica e investir na área social com o aumento da arrecadação;
  • Pagamentos de outorga em leilões de energia 100% direcionados para redução de custos na geração, transmissão e distribuição;
  • Parcelamento do reajuste de energia ao longo de seis meses;
  • Redução da alíquota de ICMS de 29% para 25% no Paraná, de forma a manter a arrecadação estadual no mesmo patamar de antes do reajuste da tarifa da Copel.

Fonte: CNI, Fiep, Firjan, GP.

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