Mentiras contadas por políticos são mais graves que fake news, diz pesquisador americano

Professor Jason Reifler, da Universidade de Exeter, no Reino Unido, é um dos palestrantes do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo

O professor Jason Reifler, da Universidade de Exeter

Talvez estejamos exagerando sobre o problema das notícias falsas — e devemos nos preocupar mais com a desinformação espalhada pelos políticos em época eleitoral. A conclusão é do acadêmico americano Jason Reifler, um dos palestrantes do 13º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo nesta quinta-feira, 28. O professor da Universidade de Exeter, no Reino Unido, é autor de vários estudos sobre fake news e fact checking. Durante as eleições dos Estados Unidos, a pesquisa de Reifler mapeou que o consumo de informações enganosas online foi mais frequente entre eleitores do presidente Donald Trump. Segundo o acadêmico, a tendência pode ser parecida entre a ala mais conservadora brasileira.

A discussão em torno das fake news no brasil tem se centrado muito ao redor do que o poder público pode fazer em relação a esse problema. Muitos projetos de lei foram propostos no Congresso. O senhor acha que há eficácia nisso?

Acho que toda vez que o governo começa a entrar na área de regulamentar ou restringir o discurso político, acende alertas. Embora as notícias falsas sejam um problema, a capacidade do governo de usar de maneira errada o poder de regular as chamadas fake news é grande o suficiente para que eu não apoie automaticamente esse tipo de iniciativa. Nas mãos erradas, é um poder que pode ser usado para restringir discurso legítimo, ao invés de apenas impedir o discurso ilegítimo. Além disso, alguns puristas da liberdade de expressão podem dizer que até mesmo o discurso incorreto deve ser protegido. Eles afirmam que existe um ‘mercado’ de ideias, e que a verdade, em um cenário ideal, venceria. Dar esse tipo de poder ao governo pode ser uma cura que é pior que a doença.

Recentemente, o juiz Luiz Fux, do Tribunal Superior Eleitoral, disse que poderia anular as eleições em caso de influência de fake news. Estamos gerando pânico dando importância demasiada às notícias falsas?

De alguma forma, provavelmente estamos. Primeiramente, seria muito difícil mostrar que as fake news tiveram impacto direto sobre os resultados das eleições. Não seria impossível, mas seria difícil. E se estamos pensando em manter a democracia e as instituições democráticas, uma ameaça a cancelar as eleições é algo inerentemente problemático. Particularmente em um país que não tem uma tradição democrática tão longa.

Por que estamos exagerando sobre o problema das fake news?

Tenho trabalhado com fake news desde as eleições de 2016 com meus parceiros Andy Glass e Brendan Nyhan. Nosso próprio pensamento tem evoluído enquanto temos pesquisado sobre esse assunto. Inicialmente, acho que tínhamos o mesmo nível de pânico e preocupação que muitos outros tinham. Mas, ao olhar mais cuidadosamente, pudemos ver que as notícias falsas são uma parte relativamente pequena do consumo de notícias geral da maioria das pessoas. As fake news estão muito concentradas em um segmento do eleitorado, cujas intenções de voto provavelmente já estavam bem estabelecidas.

Não quero dizer que a desinformação não é um problema. Mas o que vai ser muito mais problemático são as imprecisões, exageros e mentiras que os políticos que estão concorrendo a cargos nacionais podem dizer sem maiores consequências. Isso é uma ameaça mais séria ao poder do público de fazer decisões informadas do que as informações evidentemente falsas publicadas por uma pequena quantidade de sites.

O que pode ser feito em relação a isso? O fact checking terá poder durante as eleições?

Minha pesquisa com Brendan Nyhan mostrou que o fact checking pode ser uma ferramenta muito poderosa, mas não faz todas as mentiras e os políticos desaparecerem. O fact checking só funciona nas margens, mas é nelas que se perde ou se ganha uma eleição. Se as intenções de voto estão em 51%-49% em um sistema bipartidário, pode causar um efeito muito profundo, mesmo que, pelas porcentagens, o efeito pareça pequeno. Pessoas expostas ao fact checking, de acordo com a nossa pesquisa, são mais informadas e têm crenças factuais mais precisas. Também temos um estudo que aponta que, quando políticos estão cientes de que estão sendo checados, eles são lembrados de como ser visto como alguém que não fala a verdade pode representar uma ameaça à reputação. Isso pode não funcionar com todo mundo. Hipoteticamente, posso pensar em um presidente dos Estados Unidos que seria completamente indiferente ao fact checking. Mas as exceções provam a regra.

Recentemente, agências de fact checking brasileiras que participam do projeto do Facebook de combate a notícias falsas foram atacadas por eleitores conservadores, que acreditavam que seus jornalistas tinham viés de esquerda. Como essa rejeição ao fact checking pode influenciar a percepção de notícias falsas?

É um problema, mas acontece o mesmo nos Estados Unidos. É uma clara tentativa de tentar desacreditar a fonte para desacreditar a mensagem. Não é ideal, mas é só um dos problemas que o fact checking vai enfrentar. Cabe aos checadores ter certeza que eles estão suficientemente embasados e cientes de seus próprios vieses — para ter certeza de que estão avaliando a veracidade de declarações de políticos ao longo de todo o espectro ideológico. Essa é a melhor defesa: fazer fact checking de alta qualidade.

Atualmente, o primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para presidente é um político conservador com uma grande base organizada de eleitores nas redes sociais. Sua pesquisa apontou que eleitores de Trump, posicionados mais à direita, tinham tendência maior de consumir fake news. Esse efeito pode se repetir nas eleições daqui?

É uma pergunta complicada. Nos Estados Unidos, há um grande ecossistema de mídia conservadora. Grande parte da mídia online existe por causa da percepção de que a mídia dominante tem um viés liberal. Este é, parcialmente, o motivo pelo qual vemos um alto consumo de notícias falsas entre pessoas que votaram em Trump. Mas isso é muito concentrado em pessoas que já tinham um padrão de consumo da mídia conservadora na internet. Mesmo quando essas pessoas não estão lendo fake news, elas estão lendo notícias conservadoras. Então o efeito extra das notícias falsas pode ser muito baixo. Não conheço tão bem o ecossistema midiático do Brasil, mas acredito que há um padrão parecido. Isso também levanta grandes questões, de como outras pessoas e países podem tirar vantagem desses ecossistemas conservadores para proveito próprio.

Estadão

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