Em 1995 a Urbs – empresa que gerencia o transporte na cidade – deu início a testes de uma mistura de álcool hidratado (95%) e aditivo (5%) em alguns ônibus. De lá pra cá, pouco se avançou
O novo ao lado do velho: Hibribus com veículo movido a
diesel
A legislação sobre mudanças climáticas da cidade de São Paulo,
aprovada em 2009, previa a substituição do combustível fóssil nos veículos do
transporte público até 2018. O prazo venceu e mais de 90% dos ônibus da cidade
continuam sendo movidos a diesel. Em janeiro passado, reconhecendo o fracasso
do plano anterior, uma nova lei foi aprovada pela Câmara Municipal com metas
menos audaciosas. A lei estabelece em 20 anos o prazo para a troca da matriz
energética.
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A prorrogação das metas para São Paulo retrata as dificuldades
enfrentadas pelas cidades de todo o mundo, especialmente nos países em
desenvolvimento, para acabar com o uso do óleo diesel nos seus sistemas de
transporte público. E Curitiba não é uma ilha nesse mundo que a cada dia mais
se conscientiza dos malefícios causados pelos combustíveis fósseis ao meio
ambiente e, consequentemente, à qualidade de vida e à saúde da população.
As primeiras tentativas na capital paranaense em busca de alternativas
ao uso do diesel foram feitas há mais de duas décadas. Em 1995 a Urbs – empresa
que gerencia o transporte na cidade – deu início a testes de uma mistura de
álcool hidratado (95%) e aditivo (5%) em alguns ônibus. De lá para cá várias
outras experiências foram feitas, como a de 1998, com a utilização do
combustível B20 – diesel + 20% biodiesel, testado em 20 ônibus. Todos os testes
comprovaram redução de poluentes, mas a implantação esbarrou em uma série de
obstáculos, que vão dos custos à burocracia imposta pela Agência Nacional
(ANP).
A fotografia dos dias atuais é um pouco melhor, com a circulação
crescente de ônibus movidos a biodiesel e os hibribus – veículos híbridos, com
fonte elétrica e biodiesel ou elétrica e diesel. O horizonte, no entanto, é de
uma longa espera para se chegar ao minimamente ideal.
De acordo com dados da Urbs, Curitiba tem hoje 62 ônibus menos
poluentes que os tradicionais movidos a diesel. Desse total, apenas 34 veículos
não usam combustível fóssil, cerca de 2,6% da frota. São 26 biarticulados, 6
articulados e 2 híbridos (elétrico-biodiesel). Os outros 28 ônibus são
híbridos, mas usam diesel (elétrico-diesel).
Entre as dificuldades apontadas pela Urbs para avançar na eliminação
dos ônibus poluentes estão questões técnicas e econômicas. “Qualquer item que
traga um impacto significativo na tarifa acaba afugentando ainda mais o
passageiro do transporte coletivo. Esse passageiro acabará migrando para o
transporte individual, que polui muito mais”, justifica a empresa por meio de
sua assessoria.
Sobre leis que estabelecem prazos para a substituição do diesel por
outra matriz energética, como a aprovada na cidade de São Paulo no começo deste
ano, a Urbs avalia com cautela. “É preciso avaliar com bom senso essas
legislações. Elas precisam ser elaboradas sempre dentro de uma realidade social
e de uma condição técnica viável.”
Para a direção da Urbs, no entanto, a questão econômica não é tudo. “O
uso de combustíveis alternativos depende de autorização da Agência Nacional de
Petróleo – ANP. Hoje, o consumo máximo liberado é de 270 mil litros por mês
para o transporte coletivo de Curitiba, tudo devidamente reportado e
comprovado, semestralmente, pela Urbs à ANP”, diz.
A prefeitura de Curitiba, no momento, aposta na
ampliação da frota dos ônibus movidos 100% a biodiesel. Para isso, a Urbs
promete colocar em circulação em março próximo 25 novos biarticulados com
motores preparados para uso do chamado B100, ou seja, livre do combustível
fóssil, mas a utilização do biodiesel nessa nova frota ainda depende de
autorização da ANP. Hoje a cidade já utiliza a cota máxima estabelecida pela
agência.
Um histórico do transporte na capital
Da tração animal aos ônibus híbridos
O transporte público de Curitiba, que já foi modelo para vários países
do mundo, ainda enfrenta o problema dos ônibus poluentes, com mais de 97% da
frota movida a diesel.
Movidos a mulas
Em 1887 a empresa Curitybana começou a operar bondes puxados por
animais, ligando o início da Avenida João Gualberto ao bairro do Batel. Era o
início da massificação do transporte coletivo na cidade.
Bondes elétricos
Em 1912 o cenário mudou com a introdução dos bondinhos elétricos,
decretando o início do fim dos bondinhos puxados por mulas. Os bondes se
popularizaram e não provocavam poluição.
Os ônibus poluentes
Em 1928 começaram a circular os primeiros ônibus de transporte
coletivo, movidos a combustível fóssil. Os bondes elétricos resistiram por duas
décadas, mas perderam espaço para os veículos poluentes e em 1951 saíram de
circulação.
Ônibus expressos
Em 1974 entraram em funcionamento os primeiros ônibus expressos na
cidade, os conhecidos ônibus vermelhos, que usavam vias exclusivas, as chamadas
canaletas.
Biarticulados
Em 1992 iniciou-se a operação do ônibus biarticulado, para 270
passageiros. Nesse período também foram implantadas as Linhas Diretas, servidas
por veículos de cor cinza popularmente chamados de “Ligeirinhos”.
Veículos “limpos”
Em 1995 a cidade fez os primeiros testes em busca de fontes limpas de
energia para mover os ônibus, com o uso de uma mistura de álcool hidratado
(95%) e aditivo (5%) em alguns ônibus. De lá para cá várias outras experiências
foram feitas, incluindo mistura de diesel e biodiesel.
Ônibus a biocombustível
Em 2009, os primeiros ônibus a rodar 100% com biocombustível (B100)
entraram em operação na cidade. Medições técnicas mostraram um índice emissão
de fumaça 25% menor e redução de 19% de óxido de nitrogênio e uma redução de
30% nas emissões de monóxido de carbono (CO).
Híbridos
Em 2012 os primeiros ônibus híbridos produzidos no Brasil começaram a
circular na cidade. Os veículos movidos a eletricidade e biodiesel, chamados
hibribus, reduzem 90% a emissão de poluentes, na comparação com os ônibus que
circulam atualmente, e 35% o consumo de combustível.
“Há razões mais do que justificáveis para a substituição”
Luiz Pereira Ramos, professor do Departamento de Química da
Universidade Federal do Paraná (UFPR, é editor associado da revista Energy
and Fuels da American Chemical Society e desenvolve pesquisas no campo da
bioenergia.Ele conversou com a Gazeta do Povo sobre a necessidade de
substituir o uso de combustíveis fósseis no transporte coletivo das cidades.
Quais são as principais dificuldades para substituir os ônibus movidos
a combustível fóssil?
É preciso avaliar primeiro o que estamos chamando de energia limpa.
São ônibus elétricos, movidos a hidrogênio, biogás, etanol ou biodiesel? Cada
caso exige uma avaliação diferenciada. Uma questão comum é que a substituição
do diesel tem custos. Embora as últimas vendas de biodiesel em leilões da ANP
tenham demonstrado que esse combustível tem capacidade de ser competitivo com o
próprio diesel no varejo, há uma compreensão geral de que o uso de um
combustível alternativo é mais caro e que agrega valor (custos) ao setor de
transportes. Se você equaciona isso no setor de transporte público, que implica
em pagamento de tarifa, e que qualquer centavo de aumento gera um furor na
opinião pública, a mudança gera resistência.
Então é inviável?
Não, pelo contrário. Os estudos realizados em relação ao aumento
provocado pela adição de biodiesel ao diesel, por exemplo, demonstram que o
impacto na tarifa é pequeno. Isso tudo falando sobre o valor real. Se você traz
a essa conta a economia em termos de saúde pública, em termos de passivo
ambiental que essa substituição traria, certamente concluirá que há razões mais
do que justificáveis para a utilização de combustíveis mais limpos, que reduzam
a emissão de tanta fumaça negra – a popular picumã – no ar.
Qual o impacto da substituição dos ônibus a diesel na poluição urbana
por veículo automotores?
Os ônibus, pelo tipo e pelo porte de motor que usam, emitem mais
fumaça, mais poluentes. Isso é facilmente percebido nas ruas. Os carros têm
motores bem menor e, no Brasil, são movidos a gasolina ou a álcool. E nossa
gasolina tem um porcentual alto de etanol. Os motores dos ônibus emitem muito
mais poluição.
Temos tecnologia e produção para fazer a substituição?
Há quem diga que o país não tem capacidade para produzir matéria prima
suficiente para suportar o aumento da mistura de biodiesel ao diesel, mas as
próprias entidades de produtores rurais que operam nesse setor dizem exatamente
o contrário. O setor diz que tem capacidade para atender a demanda.
E os elétricos?
No caso do veículo elétrico há mais limitação, há problema de
abastecimento e a substituição da frota é muito mais cara. No caso do
biodiesel, você pode simplesmente diminuir a quantidade de diesel,
substituindo-o pelo biodiesel, sem prejuízo para o motor. O máximo que pode
acontecer é eventualmente exigir uma manutenção um pouco mais regular, já que o
motor a diesel não foi desenvolvido para queimar biodiesel. Então, para queimar
biodiesel com eficiência seria preciso ajustes no motor, e para isso já existe
tecnologia desenvolvida. Já existe evidência farta no mundo inteiro de que se
pode trabalhar com 20% de mistura de biodiesel ao diesel.
Existem outras preocupações técnicas?
Quando se faz todo o biodiesel de uma única matéria prima é possível
determinar a qualidade desse produto com maior segurança. Por outro lado, a
matriz de matérias primas for muito diversificada, se tiver óleos de vários
tipos, por exemplo, soja, canola, gergelim, algodão, palma, óleo de fritura,
isso vai requerer um monitoramento maior da qualidade do biodiesel. É preciso
garantir que chegue ao consumidor um biocombustível eficiente.
Por que a mudança é lenta?
Existe um marco regulatório no Brasil que prevê
o aumento do teor de biodiesel no diesel nacional de até 15% ou mais em poucos
anos. Já existe um escalonamento, uma previsão escalonada. Agora, é claro que a
implementação dessas medidas sempre dependem de alguma movimentação política,
de alguma iniciativa, de alguma regulação, especificamente pela ANP. (Gazeta)
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