Adib Abdouni
O papel da magistratura é
fundamental para a sociedade, especialmente pela sua independência funcional.
Em tempos de crise política e econômica, como hoje no Brasil, é preciso
ressaltar a importância do fortalecimento do Poder Judiciário. Mas, nas últimas
semanas, o Judiciário se tornou foco de críticas sistemáticas diárias. Tudo por
causa de suas prerrogativas, que muitos entendem como privilégios – que na
verdade não são. Ganhou destaque na imprensa, de modo a influenciar a opinião
pública, a atuação de magistrados que condenaram políticos e figuras públicas
dos mais altos cargos da elite brasileira. Isso tudo contrariando interesses
espúrios daqueles que estavam acostumados a saquear os cofres públicos sem
sofrer consequências da legislação, ou seja, os “criminosos do colarinho
branco” que integravam a chamada elite brasileira.
Desta vez, os ataques direcionados contra a verba de caráter
indenizatório percebida por parcela de juízes — denominada de “auxílio moradia”
— ganharam contornos de revide e vingança. De tempos em tempos, as críticas são
direcionadas para as férias de 60 dias dos juízes – que também têm previsão
legal.
Agora, a bola da vez é o auxílio
moradia: a mídia passou a veicular sistematicamente notícias e comentários
sobre a percepção do auxílio moradia como se ele nunca tivesse existido e
passasse a ser novidade. É preciso ressaltar, no entanto, que não se vê nessas
manifestações de repúdio ao aludido subsídio qualquer fundamento idôneo para
retirar de magistrados tal remuneração – que é inclusive qualificada como de
natureza alimentar. O auxílio moradia deve integrar os vencimentos, em montante
compatível com o exercício e a responsabilidade da nobre atividade judicante,
que, por vedação constitucional, não pode ser desempenhada com nenhuma outra
função, exceto com a de magistério.
Uma vez presentes vedações
formais impostas constitucionalmente aos magistrados acerca da possibilidade de
auferirem renda complementar, deve haver mecanismos remuneratórios hábeis para
garantir condições de total independência. E ainda, de outra parte, para que os
magistrados possam dedicar-se integralmente às funções inerentes ao cargo.
Afinal, a atividade jurisdicional é função essencial do Estado e direito
fundamental do jurisdicionado.
O Estado deve criar as condições
atrativas e adequadas para estimular que profissionais experientes do Direito
possam ingressar e se manter nos quadros da magistratura. Caso contrário, há
pena de se incorrer em uma nefasta política negativa de desestímulo da
carreira, a beneficiar, por evidente, aqueles que desejam um Poder Judiciário
enfraquecido e inoperante em nome da impunidade.
O tão criticado auxílio moradia —
que não deve ser confundido com privilégio — tem amparo na Lei Complementar
35/79 (LOMAN – Lei Orgânica da Magistratura Nacional). É dirigido àquelas
situações onde não houver residência oficial à disposição do magistrado, foi
inequivocamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, e não tem
qualquer pecha de ilegalidade. Presente um direito previsto em lei, não se pode
negá-lo a qualquer pessoa – incluindo-se aí o juiz – o direito de usufruir
dele.
Neste contexto, devem ser
repelidas com vigor todas e quaisquer iniciativas que visem rever as normas de
caráter obrigatório de verbas remuneratórias e indenizatórias das carreiras de
Estado, além daquelas de revisão anual dos subsídios dos magistrados para repor
as perdas inflacionárias. Isto se faz necessário para evitar a ocorrência de
defasagens que acabem por implicar, ao cabo, o desmantelamento do Poder
Judiciário e do próprio Estado Democrático de Direito. É preciso encerrar essa
discussão que somente foi reacendida após o pulso firme da Justiça em casos
criminais de grande repercussão para o país.(estadão)
* Adib Abdouni é advogado
criminalista e constitucionalista
Comentários
Postar um comentário