Venezuela ordena expulsão do embaixador do Brasil

Repúdio de Brasília a escalada repressiva no país faz Assembleia Constituinte chavista considerar Ruy Pereira persona non grata; meses antes, diplomata abrigou juiz perseguido


O embaixador brasileiro na Venezuela, Ruy Pereira

BUENOS AIRES - A Assembleia Constituinte da Venezuela declarou o embaixador do Brasil em Caracas, Ruy Pereira, persona non grata, o que significa que o diplomata não poderá estar mais no país. Segundo disseram fontes brasileiras ao GLOBO, o embaixador viajou na última sexta-feira para o Brasil, onde pretendia passar as festas de fim de ano. Com esta decisão da Constituinte venezuelana, não poderá retornar a Caracas.
Em informação divulgada pela presidente da Constituinte, a ex-chanceler Delcy Rodríguez, também foi confirmada a declaração de persona non grata ao encarregado de negócios da embaixada do Canadá.
— Decidimos declarar como persona non grata o encarregado de negócios do Canadá por sua permanente e grosseira intromissão nos assuntos internos da Venezuela, e de igual maneira ao embaixador do Brasil — afirmou Delcy, afirmando que o status de Pereira se manterá assim "até que se restitua o fio constitucional que o governo de fato rompeu neste país irmão".
Ambos os países questionaram a recente decisão adotada pela Constituinte de dissolver dois governos municipais – Caracas e Alto Apure – por motivos políticos. Na última sexta-feira, o governo brasileiro emitiu uma nota oficial na qual assegura que “repudia o contínuo assédio do regime de Nicolás Maduro à oposição venezuelana, com a arbitrária dissolução dos governos municipais de Caracas e Alto Apure e a imposição de exigências que comprometem a participação de importantes partidos de oposição no processo eleitoral. São medidas que desmentem o anunciado interesse do governo venezuelano em buscar uma solução negociada ou duradoura para a crise”.
Na mesma nota, o governo Michel Temer afirma que “o Brasil insta o governo Maduro a reconhecer a gravidade do quadro humanitário e autorizar a necessária ajuda internacional para fazer frente às carências que afligem a sociedade venezuelana, em particular em matéria de alimentação. O Brasil reitera sua firme disposição em doar medicamentos e alimentos ao querido povo venezuelano”.
A reação do Palácio de Miraflores foi expulsar, na prática, o embaixador brasileiro, que retornara a Caracas há poucos meses, depois de permanecer nove meses no Brasil pela tensão política entre os dois países.
Ruy Pereira voltara em julho à Venezuela. O diplomata havia sido chamado ao Brasil para consultas em setembro do ano passado, após atritos com o governo de Maduro por críticas ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Diante do recrudescimento da crise no país vizinho, o Itamaraty analisou ser importante ter um representante com esse status no local.
Em nota, o Itamaraty diz que o governo brasileiro tomou conhecimento da declaração de Delcy. "Caso confirmada, essa decisão demonstra, uma vez mais, o caráter autoritário da administração Nicolás Maduro e sua falta de disposição para qualquer tipo de diálogo. O Brasil aplicará as medidas de reciprocidade correspondentes."

DIPLOMATA ABRIGOU JUIZ PERSEGUIDO
Meses antes, Ruy Pereira abrigou um dos magistrados do Tribunal Supremo de Justiça paralelo da Venezuela designados pela Assembleia Nacional (AN), controlada pela oposição. Enquanto os juristas vinham sendo perseguidos e fugiam por terra e mar do país, Ildefonso Ifill Pino foi recebido na embaixada brasileira sem que nem os demais diplomatas no local soubessem de sua condição, segundo fontes. Pino, como seus outros colegas, escapou de carro e atravessou a fronteira para a Colômbia, país onde está atualmente.
Os magistrados tentaram obter autorização do governo Nicolás Maduro para saírem formalmente como asilados políticos, mas nenhum deles obteve resposta positiva. De fato, uma das razões que teria levado Ruy Pereira a não revelar a presença de Pino na embaixada seria a promessa por parte das autoridades venezuelanas de que dessa forma o salvo conduto poderia ser concedido. Mas isso nunca aconteceu, apesar do empenho do embaixador.
— O embaixador acreditou que assim seria mais fácil, mas ninguém obteve o salvo conduto e todos tiveram de abandonar o país às pressas, por terra — disse uma fonte consultada que, também por precaução, preferiu não revelar sua identidade.

Pino ficou mais de dois meses na embaixada brasileira. O embaixador manteve um rigoroso sigilo, para preservar a segurança da família do magistrado e, também, tentar facilitar a tramitação do salvo conduto.

O Globo

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