ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
REGIMENTO INTERNO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O leigo talvez desconheça a importância dos regimentos
internos, cuja finalidade consiste em determinar a composição e a competência
do respectivo tribunal, regular o andamento dos processos e julgamento dos
feitos, conforme reza a Constituição.
Bastante antigo, para os padrões brasileiros, é o Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal (STF). Foi aprovado em 15/10/1980, tendo
como presidente o ministro Antonio Neder, na vice-presidencia o ministro Xavier
de Albuquerque e era integrado pelos ministros Djaci Falcão, Thompson Flores,
Leitão de Abreu, Cordeiro Guerra, Moreira Alves, Cunha Peixoto, Soares Muños,
Décio Miranda e Rafael Mayer.
Considero necessário relembrar-lhes os nomes, como homenagem
que rendo a magistrados cultos, discretos, operosos, independentes, qualidades
que se fizeram escassas neste período sombrio, marcado por denúncias que
envolvem a alta cúpula da falsa República.
Após entrar em vigor, em 1980, o Regimento Interno sofreu 51
emendas, como revela a última edição publicada pelo STF. Inalterada,
entretanto, permanece a parte inicial do Art. 134, cujo texto ordena com
simplicidade e clareza: “Se algum dos Ministros pedir vista dos autos, deverá
apresentá-los, para prosseguimento da votação, até a segunda sessão ordinária
subsequente”.
Deverá do verbo dever, entre cujos significados, assentados
no Dicionário Houaiss, encontra-se o de “uma lei inelutável à qual o sujeito
está submisso, independentemente de sua vontade”.
Apesar da obrigação a que se submete o Ministro, quando pede
vista dos autos em sessão de julgamento, sabemos que poucos são aqueles que
observam a norma regimental. Alguns lhe nutrem completo desprezo. Pedem
vista e seguram o feito durante meses ou anos, como é comum acontecer. Para que
o leitor saiba como se passam as coisas nos bastidores, pela Alta Corte tramita
Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) onde se debate a ratificação e
posterior denúncia da Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho
(OIT), ajuizada em 1996 e distribuída ao falecido ministro Maurício Corrêa.
Passados mais de vinte anos, consumidos entre breves sessões e intermináveis
pedidos de vista, aguarda decisão que não vem e tão logo não virá. Da
composição do STF, à época em que o caso foi ajuizado, permanecem apenas dois
ministros: o decano Celso de Mello e Marco Aurélio.
O ministro Dias Toffoli resolveu obstruir a conclusão do
julgamento do feito em que discute a limitação do foro privilegiado a menor
número de beneficiários. Já votaram os ministros Roberto Barroso, relator,
Marco Aurélio, Rosa Weber, Carmen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Celso
de Mello, no sentido do provimento do pedido. Em sentido contrário – como era
de se esperar – a manifestação do ministro Alexandre Morais. Segundo o
ministro Roberto Barroso tramitam pelo STF 528 processos, dos quais 90%
deveriam ser julgados em primeira instância.
Até as baratas do prédio projetado por Niemayer sabem os
objetivos do ministro Toffoli: permitir que o escandaloso problema permaneça
por conta da Câmara dos Deputados, onde se alojam interessados em desfrutar de
privilégios. S. Exa. tem o direito de decidir mal ou decidir bem; julgar com a
lei ou com a vontade. Poderá garantir privilégios antidemocráticos, ou
contribuir para que o País se torne mais ético e republicano. Não pode, entretanto,
espezinhar o Regimento Interno, para não incidir em crime de responsabilidade
com ostensiva violação de dever inerente à magistratura.
É regra processual que o juiz obriga-se a proceder com
celeridade. Prescreve a Constituição, no Art. 5º, LXXVIII, que “a todos, no
âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do
processo e os meios que garantam a celeridade de sua execução”. A norma é
valida para o Supremo Tribunal Federal, ou os ministros gozam do privilégio de
ignorá-la?
Volto ao Regimento Interno para assinalar o disposto no
Capítulo IV, que trata das atribuições do presidente da Suprema Corte. Conforme
determina o Art. 13 III, compete-lhe “dirigir-lhe os trabalhos e presidir as
sessões plenárias, cumprindo e fazendo cumprir este Regimento.”
Conseguirá a Presidente Carmen Lúcia fazer com que o
ministro Dias Toffoli respeite o Art. 134, ou fará vistas grossas? Consentirá
que péssimos usos e costumes se sobreponham ao Regimento Interno? São dúvidas
que hoje me assaltam.
Almir Pazzianotto Pinto é advogado. Foi Ministro do Trabalho
e presidente do Tribunal Superior do Trabalho.
Diario do Poder
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