Não foi falta
de aviso, tampouco de medidas judiciais. Desde que se aventou a possibilidade
de cobrança extra pelo despacho de bagagens em viagens aéreas, a OAB colocou-se
contra a medida, apresentando razões técnicas e objetivas como alerta para o
prejuízo que seria imposto aos passageiros. Hoje está claro o dano causado. A
medida, autorizada pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), não passou de
um subterfúgio para aumentar o lucro das companhias em detrimento dos direitos
dos consumidores. Causa estranheza que o órgão incumbido de regular e
fiscalizar o setor atue como parceiro de seus fiscalizados.
Um dos
sintomas mais evidentes da piora do serviço é a proibição, ilegal, que as
companhias estão impondo para o transporte da bagagem de mão -na qual os
viajantes podem transportar remédios, documentos e objetos delicados. Esse novo
problema, que não existia antes da taxa extra, decorre de outra artimanha do
consórcio empresas-Anac.
Para defender
a cobrança a mais pelo despacho de malas, o consórcio apresentou como novidade
positiva o aumento do volume permitido para a bagagem de mão (de 5kg para
10kg). As cabines dos aviões, obviamente, não aumentaram de tamanho. Agora, os
passageiros que chegam primeiro conseguem colocar as malas nos bagageiros acima
do assento. Os que chegam depois não encontram espaço e são obrigados a
transferir os pertences pessoais para o compartimento de carga.
Além de
aumentar o tumulto e corre-corre na área de embarque, as companhias passaram a
adotar como estratégia comercial o desrespeito ao contrato estabelecido na
venda das passagens, que dá ao passageiro o direito de transportar a bagagem de
mão na cabine, não no compartimento de carga.
A Anac, por
sua vez, autorizou e fechou os olhos para medidas que ferem o Código de Defesa
do Consumidor, o Código Civil e até mesmo a Constituição, como argumenta a OAB
na ação judicial que apresentou no fim de 2016. Até agora, no entanto, o caso
não foi processado e os abusos continuam sendo cometidos.
O transporte
de bagagem é um direito inerente à liberdade de ir e vir. O Código Civil
esclarece, em seu artigo 734, que o transporte de bagagens não é serviço
separado do transporte de passageiros. O artigo diz que “o transportador
responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo
motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da
responsabilidade”.
A exigência de
que, além da passagem, o consumidor também pague a mais para embarcar uma
quantidade mínima de malas está em desacordo com o Código de Defesa do
Consumidor nos artigos 6º e 39, que, respectivamente, asseguram a liberdade de
escolha e proíbem a “venda casada”.
Do muito que
se pode aprender com o episódio, um ponto fica ainda mais evidenciado: o papel
das agências reguladoras brasileiras merece ser objeto de uma análise profunda.
Historicamente, as agências reguladoras são utilizadas como moeda de troca
política, o que não raramente ocasiona o desvio da função para as quais foram
criadas, além de aumentar o custo de uma máquina pública já inchada.
*Presidente
nacional da Ordem dos Advogados do Brasil
fonte: Estadão
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